Uma parte da nossa esquerda política imagina que os ricos não são brasileiros. Pensam que eles ainda são os filhos de uma elite que estudou na Europa e que, se o Brasil for mal, irá embora daqui. Imagina que são pessoas completamente por fora da vida cotidiana do Brasil. Essa visão da esquerda pouco ajuda. Enquanto não entendermos que um homem de direita como Boris Casoy é tão “filho do Brasil” quanto Lula, não vamos descrever o Brasil de um modo útil para os nossos propósitos de melhorá-lo.
Creio que o vídeo que mostra Boris ridicularizando de maneira odiosa os garis, com o qual iniciamos o ano, deveria valer de uma vez por todas para compreendermos algo que, não raro, há vozes que querem negar: “o ódio de classe” permanece entre nós – sim, nós os brasileiros. Deveríamos levar em conta isso, sem medo, ao descrever o Brasil.
Quando Ciro Gomes, ao comentar algumas reações às políticas sociais, então vindas de determinados grupos da imprensa, disse que tal coisa era obra “da elite branca”, a reação da direita foi imediata. Um dos elementos mais à direita que temos na imprensa brasileira, Reinaldo de Azevedo, saiu rasgando o verbo. Primeiro, elogiou Patrícia Pillar, atriz mulher de Ciro, para não criar desafetos, e em seguida tratou o político como um bobalhão que teria falado de algo que não existe no Brasil. Ciro teria bebido demais em algum rortianismo, lá nos Estados Unidos, quando então fez curso arrumado por Mangabeira Unger. Voltando de lá mais à esquerda do que foi, estaria inventando divisões que aqui não existiriam. Reinaldo não é um jornalista sofisticado para escrever isso, mas o que disse, no meio de sua pouca cultura, queria transmitir essa idéia.
Mas quando ouvimos o que um Boris Casoy diz por detrás das câmeras, não temos como não admitir que Ciro está certo: existe uma “elite branca” no Brasil que sente profundo desprezo para com tudo que é do âmbito popular. Pode ser que vários membros dessa “elite branca” não sejam tão cruéis quanto Casoy. Pode ser, mesmo, que vários dos ricos que estão nessa “elite branca” se sintam desconfortáveis, perante os preceitos cristãos de humildade que dizem adotar, quando escutam isso que ouvimos de Boris Casoy. Todavia, o que Casoy falou é o que se pode ouvir, entre um uísque e outro, nas festas antes organizadas pelo empresariado que amava da Ditadura Militar, e que hoje é feita para angariar fundos para o PSDB, o partido que havia nascido com o propósito de não ser a direita política, mas que, agora, assume esse papel.
Não quero de modo algum, com esse artigo, provocar aqueles que, sempre pensando só de modo dual, logo dirão: “ah, mas a esquerda é blá, blá, blá”. Sou um homem de esquerda. Minha condição de filósofo me dá alguns instrumentos para analisar de onde venho. Podem ficar tranqüilos. Aliás, sou uma pessoa que adora a frase de Fernando Henrique Cardoso, quando ele disse, se referindo a ele mesmo por conta de acreditar que sua política econômica, ela própria, já era política social: “não é necessário ser burro para ser de esquerda”. Mas aqui, não quero falar da esquerda. Quero mostrar que gente como Boris Casoy não caiu no Brasil vindo de Plutão. Muito menos estudou na Europa. Gente como Boris Casoy estava no Mackenzie, fazendo curso superior, mais ou menos no tempo em que Lula deveria estar vendendo limão na rua. Isso não transforma o Lula em um bom homem e o Boris em um perverso. Mas isso dá, claramente, razão a Ciro Gomes: há sim uma “elite branca” que não respeita garis, que não os acham gente, e que transferem esse ódio ao Lula, principalmente quando olham para ele e o vêem sendo abraçado por um Sarkozi, na capa do Le Monde.
Sarkozi é o presidente da França. E não é de esquerda. Eis então que toda a direita no Brasil comemorou sua eleição. Todavia, Sarkozi aparece abraçado com Lula, sem o preconceito de classe que vários dos próprios brasileiros ainda possuem contra Lula, então, esse fato Lula-Sarkozi, deixa essa “elite branca” despeitada. Ela se pergunta, raivosa: “por que não FHC ou Serra?” Por que aquele “analfabeto”, por que ele, aquele … “gari”? Sim, a fala de Boris é o equivalente dessas frases que eram, até pouco tempo, restritas aos círculos da Ana Maria Braga, Regina Duarte, José Neumanne Pinto e Danusa Leão. Foram esses círculos que fingiram se espantar com o relato de César Benjamim, sobre Lula na prisão. (a história de que Lula teria tentado comer um garoto lá). Fingiram, sim, pois já haviam escutado isso em festinhas e riam disso, tratavam de fazer correr a fofoca, sendo ela verdadeira ou não.
Caso queiramos melhorar o Brasil, vamos ter de ver que os brasileiros – muitos – pensam como Boris Casoy. E atenção nisso: não vamos culpá-lo pelos seus cabelos brancos não! Mainardi, na Globo, ainda não tem cabelos brancos e pensa a mesma coisa. Na Band, vocês já viram o tipo de preconceito de classe contra pobres que aparece no CQC? Já viram o menino Danilo Gentili insultando os pobres, jogando comida para eles? Não? Pois saibam que isso ocorreu sim! Esse tipo de humor é necessário?
Estamos há duas décadas da “piada” de Chico Anísio contra Lula, dizendo que se Marisa fosse a primeira dama e fosse morar no Planalto, ficaria esgotada ao ver quantas janelas de vidro teria de limpar. Naquela época, a Globo fez Chico Anísio pedir desculpas em artigo na imprensa. E ele pediu! De lá para cá, o que mudou na TV brasileira? Ora, o vídeo de Boris Casoy nos diz que pouca coisa mudou. Que ainda precisamos de muito para evoluirmos. Temos uma longa caminhada pela frente no sentido de educar aquele brasileiro que não consegue entender que o dia que um lixeiro parar, ele, o rico, vai ver todas as moscas botarem ovos no seu ânus, e quando ele acordar, ele terá sido devorado em vida pelos vermes. Estamos ainda precisando de uma forte pedagogia que entre nas escolas de modo a evitar que os brasileiros do futuro sejam os Casoys da vida.
As pessoas podem ser de direita, isso não deveria implicar em perder a capacidade de ver na condição social de concidadãos algo que não os desmerece (o bom exemplo não é, enfim, o próprio Sarkozi?). No Brasil, no entanto, a direita política não consegue apresentar um comportamento de brasileiros que gostaríamos que todos nós fôssemos, ou seja, pessoas capazes de ver em cada outro que lhe presta um serviço um homem digno.
Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo.
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