Ciro Gomes ainda não confirma seu futuro político nesta eleição: por enquanto mantem sua candidatura à presidente, mas já admite também concorrer ao governo de São Paulo.
Se escolher São Paulo, muitos o vêem apenas como um candidato para fazer campanha de oposição ao governo tucano paulista e dar uma palanque combativo à Dilma, e não para vencer as eleições. É um erro essa avaliação.
Ciro, tendo boa exposição na TV, tendo apoio da militância da frente de partidos contra a hegemonia demo-tucana paulista, reúne todas as condições de sair vitorioso. Não será fácil, mas é muito menos difícil do que parece.
Há um paralelo na candidatura de Ciro ao governo paulista com a histórica eleição de Leonel Brizola ao governo do Rio de Janeiro, em 1982.
Em 1982, o gaúcho Leonel Brizola, resolveu se candidatar a governador no Rio de Janeiro, para desespero de muitos correligionários seus. Acreditavam que Brizola deixava uma eleição garantida no Rio Grande do Sul, para uma aventura no Rio de Janeiro.
Os temores tinham fundamento. Brizola começou como azarão, lá na rabeira das pesquisas, com algo em torno de 3% de intenção de voto.
Aquelas eleições começaram com o favoritismo do grupo chaguista, do então governador Chagas Freitas, do PMDB fisiológico (que negociava com o governo da ditadura, em troca de apoios e verbas para obras). Tinha a máquina administrativa, inaugurava muitas obras com dinheiro federal, tinha uma grande máquina partidária no estado, enraizada em todos os municípios, prefeituras, escolas de samba, tinha muito clientelismo, enfim, eram como são os tucanos hoje em São Paulo.
Mas havia também desgaste de popularidade, com acusações de corrupção e impunidade, além de repressão policial à trabalhadores, estudantes e favelados, insatisfação com os serviços públicos, funcionalismo desmotivado por arrochos e repressão.
Aproveitando o desgaste, outra candidata, boa comunicadora, despontou: Sandra Cavalcanti, do PTB falsificado, criado pelo General Golbery do Couto e Silva. Era herdeira política do udenismo de Carlos Lacerda, assumiu uma campanha de crítica à corrupção do chaguismo, e chegou a liderar as pesquisas por uns tempos, caindo gradualmente à medida que era desmascarada. Um dia seu telhado de vidro, já trincado pelas relações com Golbery e com Lacerda, se quebrou: havia ocupado cargos de confiança no Governo Chagas Freitas, a quem ela acusava de corrupção.
Ao longo da campanha, por onde Brizola passava convencia mais da metade da platéia a votar nele. Nos debates na TV, a mesma coisa.
Brizola era um gaúcho no Rio de Janeiro, acusado de "paraquedista" pelos adversários, que fez campanha sem esconder o sotaque e gírias gaúchas, e vez por outra, aparecia em comícios com lenço vermelho de maragato no pescoço. O lenço foi incorporado por muitos militantes; era comum encontrar nas manifestações de rua e no dia da eleição, cariocas da gema com lenço vermelho no pescoço.
Seu discurso era regional e nacional ao mesmo tempo. Não fazia grandes promessas a não ser a prioridade à educação (sua marca) e os compromissos trabalhistas vindos desde a era Vargas. Posicionava-se contra o chaguismo e contra os "filhotes da ditadura", representados por Sandra Cavalcanti e o candidato do partido sucessor da ARENA (Moreira Franco, que na época havia saído do PMDB para o PDS, e mais tarde voltou ao PMDB).
Mas Brizola transparecia a figura de um político estadista, de dimensão nacional e internacional, para o Rio de Janeiro recuperar seu prestígio político, perdido com a mudança da capital, e governado por pessoas que apequenavam o estado com políticas provincianas.
Venceu as eleições e venceu um esquema montado para fraudar os boletins eleitorais, que contou com o envolvimento do SNI e da TV Globo. Foi o escândalo da Proconsult.
Brizola fez um bom governo de 1983 a 1986, fazendo o programa dos CIEPS (implantando o ensino em tempo integral de qualidade), mesclando com grandes obras como o Sambódromo; fez o primeiro programa governamental de reurbanização de favelas e titulação dos terrenos; combateu o cartel das empresas de ônibus (chegou a encampar as empresas, após um locaute do empresários).
Ciro foi radicado e fez toda sua carreira política no Ceará, mas é um político nacional há anos, tendo disputado a presidência duas vezes, e poderia ser candidato ao governo de São Paulo mesmo que não tivesse nascido no estado, assim como Brizola não nasceu no Rio.
Ciro tem a oportunidade de fazer o mesmo que fez Brizola, e oferecer ao eleitor paulista, um governo estadual com dimensão de estadista, de liderança nacional, capaz de tirar São Paulo da mediocridade demo-tucana de fazer governos provincianos e decadentes, que limitam a vender patrimônio público, autorizar pedágios, arrecadar cada vez mais impostos e tarifas, e cada vez cortar mais serviços públicos, entregando-os à iniciativa privada. O abandono das atribuições de estado, causam alagões, insegurança pública, queda na qualidade da educação, custos mais altos para produtores e consumidores com pedágios abusivos e tarifas que encarecem o frete.
Ciro pode articular como governador pactos com outros estados que tirem o marasmo da guerra fiscal entre São Paulo e estados do Nordeste, onde os dois perdem, e viabilize uma reforma tributária mais ousada e mais justa para todos. O maior empecilho à estas reformas sempre foi o corporativismo de São Paulo, ao pensar pequeno, de forma provinciana, em vez de pensar em ganhos de escala.
Ciro pode reintegrar melhor São Paulo às políticas de desenvolvimento nacionais, estabelecendo parcerias mais sólidas com o governo federal. Para dar um exemplo, ao articular com governadores o programa "Minha Casa, Minha Vida", o governo de José Serra recusou-se a diminuir o ICMS sobre material de construção, prejudicando o barateamento de habitações de baixa renda.
A gente não vê Serra apresentando projetos habitacionais junto ao governo federal, para tirar a população de baixa renda das áreas de risco de desabamento, nem a população ribeirinha do Rio Tietê na várzea, onde há alagamentos. Ciro apresentaria, como já faz Cid Gomes, seu irmão que governa o Ceará.
São Paulo, como qualquer estado, tem seu bairrismo, todo mundo ama sua terra natal, seu estado, e deve amar mesmo. Só não deve pensar pequeno nem mesquinho esquecendo dos nossos irmãos brasileiros de todo o território nacional. São Paulo é cosmopolita, foi formado por muitos imigrantes, vindos de todos os lugares do Brasil e do mundo. Não há sentido trocar um governador estadista com visão ampla de projetar São Paulo para o Brasil e internacionalmnte, por um governador provinciano, que isola São Paulo do Brasil e está levando o estado à decadência.
Além disso, por mais que Alckmin (ou talvez Serra, se refugar da candidatura presidencial) desponte como favorito neste período pré-eleitoral (como eram os chaguistas no Rio), é óbvio que o povo paulista está com fadiga do PSDB, e deseja renovação. As enchentes, os pedágios abusivos, os fracassos na segurança pública, o pouco crescimento do Metrô comparado à outras cidades, os desabamentos de obras mal feitas, a falta de diálogo, falta de soluções, a falta de transparência, os escândalos abafados, mostram que a era demo-tucana já deu o que tinha que dar. Chega. Se não for Ciro o candidato, outro combativo que saiba expressar ao eleitor paulista a mensagem da renovação ao governo demo-tucano, acabará por vencer Alckmin ou Serra.