No dia 3 de outubro de 2010, votarei em Dilma Rousseff para presidente. Lembre-se: o número dela é o 13. Se houver segundo turno em 31 de outubro e a candidata do Partido dos Trabalhadores (PT) estiver na disputa, votarei novamente nela. No texto que segue, vou explicar a razão do meu voto.
Não vou votar em Dilma Rousseff apenas por um desejo do presidente Lula. Tenho várias críticas ao governo que se aproxima do fim. Mas esse texto não é para explicitar os meus desapontamentos. Essa tentativa de artigo, como escrevi anteriormente, é para explicar a minha opção pela candidatura petista. Para isso, farei uma comparação do governo Lula com a administração anterior, comandada por Fernando Henrique Cardoso (FHC). Afinal, José Serra, o principal candidato da oposição nessas eleições, não custa lembrar, é do mesmo partido do ex-presidente.
Votarei em Dilma não porque o governo Lula tenha alcançado a utopia ou feito brotar mel no sertão, mas porque, mesmo com todos os seus equívocos, ele foi muito melhor do que os oito anos do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) à frente do Palácio do Planalto. Acredito que um governo petista é menos nocivo ao país do que uma administração tucana, o pássaro símbolo do PSDB.
Permitir a volta dos tucanos ao poder seria um retrocesso: Serra encarna o mesmo projeto de FHC. Não por acaso, os tucanos se aliaram novamente ao Democratas (DEM), antigo Partido da Frente Liberal (PFL), dissidência do extinto Partido Democrático Social (PDS), sucessor da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), o partido de sustentação do regime militar. Essa turma mudou de nome, mas jamais mudou de lado. O projeto da coligação PSDB-DEM para o país é, no meu entendimento, reacionário. E é histórico desses dois partidos que me levou a essa conclusão e não um preconceito rasteiro de qualquer tipo, como tem sido o costume em relação ao presidente Lula. Se você é reacionário, retrógrado, sectário ou coisa que o valha já sabe em quem votar.
Serra sempre se coloca como alguém diferente da turma com a qual anda por aí. O tucano, aliás, não se cansa de se apresentar como uma pessoa progressista, até mesmo um legítimo representante da esquerda. José Serra pode (e acredito ser) uma figura mais progressista dentro de um partido deveras conservador e de uma coligação sabidamente entreguista e potencialmente golpista. Pode até mesmo, talvez, ser um estranho no ninho. Mas, ainda assim, não podemos ignorar o ninho de onde ele saiu e para onde volta quando sente fome de poder.
A companhia de Serra é conservadora demais para um país tão desigual. Se aqui fosse a Suécia ou a Dinamarca, como alguns tucanos creem, determinadas diretrizes governamentais poderiam, quem sabe, ser aceitáveis, mas nossa desigualdade social não é compatível com a idéia de Estado do PSDB. É por causa da ausência de um poder republicano de fato que o nosso país, ainda hoje, é um lugar em que o cidadão é achincalhado cotidianamente. Não há, em todo o planeta, país com o tamanho da nossa economia que chegue perto da nossa concentração de renda obscena. Não se trata de uma teoria extravagante: seguidos relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o tema comprovam isso.
Mas vamos comparar alguns dos números oficiais disponíveis sobre os dois governos já mencionados (o de Lula e o de FHC). De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil nos anos Lula e FHC foi, respectivamente, de 4,20% e 2,32%. O PIB, para quem não sabe, representa a soma de todas as riquezas produzidas no país durante um ano.
Alguns dirão o seguinte: durante o governo Lula a economia mundial cresceu muito mais e ele não enfrentou várias crises como as vividas por FHC. É necessário, diante desse argumento tão frequente, pontuarmos o seguinte: Lula teve de encarar, no final de 2008 e ao longo do ano posterior, uma baita crise. Talvez a maior desde a Grande Depressão, que na década de 30 do século XX quase levou os Estados Unidos à ruína. Além disso, a crise enfrentada pelo petista foi iniciada no centro do capitalismo global.
FHC encarou diversas crises, como a do México (1995) e a asiática (1997-98), mas elas tiveram sua origem na periferia do capitalismo. Portanto, os seus efeitos na economia brasileira, caso essa tivesse o mínimo de condições de resistir, deveriam, em tese, ter sido muito menores. O Brasil, naquela época, era um gigante com pés de barro. Dados econômicos daquele período, como os que vou apresentar a seguir, demonstram o quanto o governo brasileiro estava debilitado. Gravemente doente.
Ao optar por uma política econômica recessiva, para garantir a ilusão da paridade cambial do real frente ao dólar, FHC endividou o país de maneira irresponsável, quiçá, criminosa. Durante o seu governo a dívida pública cresceu 485% (de 153,2 bilhões em 1994 para 896,1 bilhões de reais em 2002). Com a desculpa de sanar as contas do Estado, que já eram ruins, mas que o próprio agravou, FHC privatizou boa parte das estatais, mesmo aquelas lucrativas e que para qualquer país com um tiquinho de visão de longo prazo poderiam ser consideradas estratégicas (caso, por exemplo, da Companhia Vale do Rio Doce).
O processo de privatização foi permeado de corrupção e descaso com o bem público. Sobre o tema recomendo a leitura de “O Brasil Privatizado”, obra do falecido jornalista Aloysio Biondi. Também recomendo a leitura das colunas, sobre o assunto, do também jornalista Elio Gaspari. Não por acaso, ele usa o neologismo “privataria” para descrever o processo de privatização promovido pelos tucanos.
A história de que FHC enfrentou um período econômico difícil é somente parte da verdade. É necessário contextualizarmos, coisa que a imprensa, sobretudo a chamada “grande”, não costuma fazer. Durante a era fernandina, os EUA viveram um período de forte crescimento econômico (talvez o mais próspero depois da Segunda Guerra Mundial). Com o real sobrevalorizado, nossas exportações perderam competitividade e teve início um processo de dolorosa e perigosa desindustrialização, o que resultou em aumento do desemprego. E desempregados já existiam aos montes. Na época, os Estados Unidos, governado por Bill Clinton, era o nosso principal parceiro comercial. Poderíamos ter aproveitado parte do “boom” econômico dos ianques, mas FHC preferiu manter uma moeda forte e um país fraco. Afinal, com o real valorizado, ficava muito mais barato ir pra Miami. A classe média adorou a novidade. Muitos economistas, mesmo naquele período de aparente prosperidade, apontaram os riscos dessa política econômica. Cito apenas um: Paulo Nogueira Batista Jr.
A revista Carta Capital, na edição de 10 de março de 2010, lembrou aos leitores que a equipe econômica de FHC acreditava na tese (furada) de que o desenvolvimento do Brasil “se daria pelo financiamento externo.” “Segundo essa teoria, os investidores internacionais atraídos ao País pela privatização e abertura da conta de capitais provocariam um aumento na taxa de investimento da economia e levariam a um ciclo virtuoso de crescimento, inovação tecnológica e geração de empregos”, escreveu o jornalista Sergio Lirio.
“Ministro do Planejamento no primeiro governo FHC, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira sempre foi um crítico dessa teoria e dessa opção. O tempo lhe deu razão”, acrescenta a reportagem da edição 586 de Carta Capital. “Em 1994, tínhamos praticamente zero de déficit em conta corrente e a taxa de investimento da economia era de 17% do PIB. Em 1999, o déficit chegou a 4,7%, mas a taxa de investimento estava estacionada nos mesmos 17%”, recorda Bresser-Pereira. “Tradução: a poupança externa foi usada para financiar o consumo tão celebrado nos primeiros anos do Real (do iogurte à dentadura)”, resumiu Sergio Lirio na mesma matéria.
Lula, o ignorante tão criticado nas correntes virtuais, pegou, espertamente, carona no crescimento chinês ao transformá-lo em nosso principal parceiro econômico. FHC não poderia ter feito o mesmo, durante o seu governo, com o seu aliado Bill Clinton? Lembra dele? Foi presidente, no século passado, do país de maior economia do mundo em um dos períodos mais prósperos da sua história. A mineradora Vale do Rio do Doce, ou simplesmente Vale, tornou-se ainda mais lucrativa após a privatização? Certamente. Isso é fruto da genialidade do seu principal executivo, o economista Roger Agnelli? Em parte. Com a ânsia da China pelo nosso minério de ferro até eu conseguiria manter e ampliar a lucratividade da Vale, com a diferença de que, no caso da empresa ainda ser estatal, os dividendos (leia-se: lucro) da companhia seriam distribuídos entre todos os brasileiros e não somente para alguns acionistas.
Mesmo vendendo boa parte das estatais e aumentando a carga tributária quase que ano após ano, FHC não conseguiu sanar as contas públicas e ainda quebrou o país três vezes. Com Lula, conseguimos nos tornar credores do Fundo Monetário Internacional (FMI). Com FHC éramos notórios devedores. O Plano Real sempre foi o principal capital político dos tucanos. Na campanha presidencial de 1998, FHC jurou que não iria desvalorizar a moeda. No primeiro mês do segundo mandato, a promessa foi quebrada sem nenhum pudor. Essa era, naquele momento, a garantia da sua então frágil popularidade. Afinal, a nova moeda foi responsável por uma grande conquista: o controle da inflação. Mérito de FHC e do ex-presidente Itamar Franco, que foi o principal fiador do plano. Pouca gente se lembra, mas o Plano Real começou a ser implantado durante o governo do mineiro ironicamente nascido em um navio.
Quando o assunto são reservas internacionais, o ignorante que nos governa dá novamente um banho no sociólogo: durante o governo FHC, em seu ponto mais alto, elas alcançaram 60 bilhões de dólares (1996). No governo Lula, as reservas ultrapassaram os 239 bilhões em 2009 (ano, não custa lembrar, de uma grave crise internacional). Esses são números oficiais: Banco Central e Ipeadata (base de dados macroeconômicos mantida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Tenho a impressão de que o país está, sob o governo Lula, muito mais preparado para enfrentar as crises periódicas do sistema capitalista.
Economia para principiantes: crescimento econômico gera mais empregos. De acordo com dados do Ministério do Trabalho, por meio do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), durante o governo FHC foram criadas 797 mil vagas formais. Durante a era Lula, que ainda não se encerrou, foram quase 9 milhões de empregos com carteira assinada.
Tem mais: houve, durante o governo Lula, uma notável redução do número de pobres no país. “Entre 2003 e 2009, a pobreza no Brasil caiu 43% e 31,9 milhões de pessoas subiram às classes ABC, o equivalente a mais de meia França”, aponta reportagem do insuspeito jornal Folha de S. Paulo. A matéria, que traz uma entrevista com o economista Marcelo Neri, foi publicada em 13 de junho de 2010.
“Ao contrário de outros ciclos de crescimento, que não distribuíam renda, este é diferente. O que acontece agora não é igual ao que aconteceu no Plano Cruzado (1986) ou no próprio Plano Real (1994)”, avaliou, na mesma matéria, Marcelo Neri, doutor em economia pela Universidade de Princeton (EUA) e chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.
Enquanto o dito analfabeto (ou semi) conhecido como Lula decidiu combater a pobreza com crescimento econômico e políticas sociais, o candidato a vice-presidente de José Serra, um tal de Indio da Costa, propôs erradicar a miséria impedindo que o cidadão desse esmola ao miserável que, por ventura, viesse a lhe pedir uns trocados.
“Indio começou a defender ideias polêmicas em seu primeiro mandato de vereador do Rio, onde foi fiel escudeiro do então prefeito Cesar Maia. Em 1997, apresentou projeto de lei para punir os cariocas que dão esmola a pedintes”, diz reportagem dos jornalistas Filipe Coutinho e Bernardo Mello Franco. “A proposta”, que classificava mendicância como “vício”, continua a matéria, foi “considerada inconstitucional e acabou numa gaveta da Câmara Municipal.” Talvez matando o pobre de fome, a pobreza acabe, deve ter pensado o chapa de Serra. Atualmente Indio da Costa é deputado federal pelo Democratas do Rio de Janeiro.
Por fim, FHC deu um golpe branco: compraram-se muitas consciências para aprovar a emenda constitucional que garantiu a sua reeleição. Lula nunca tentou nada parecido. Mesmo assim o tucano é apresentado como um democrata (um estadista dos bons) e o petista como um ditador bufão. A chamada “grande” imprensa, no entanto, já faz algum tempo, tem evitado usar argumentos tão abjetos como os citados anteriormente. Agora, Serra é apresentado como competente e Dilma como inexperiente. Ao escrever “competente” e “inexperiente”, o que os jornalões querem dizer é o seguinte: o primeiro é homem e, talvez, um macho bem viril (já que faz questão de dizer que é fanático pelo Palmeiras) e certamente tem “pulso firme” para governar o Brasil; a segunda é mulher e mulher nenhuma tem condições de comandar um país. Além disso, ela parece ser o tipo de mulher emancipada e isso não é um bom exemplo para a mulherada. Não é por acaso que, eventualmente, a candidata petista ainda é chamada de Dona Dilma.
Quando comecei a escrever esse texto, pensei em fazer uma declaração de princípios, mas desisti. A maioria poderia não concordar com minhas idéias (o que só iria prejudicar a minha candidata). Preferi enumerar razões bem mundanas e objetivas para justificar o meu futuro voto. Lula fez um governo bem melhor do que o anterior. E votarei em sua sucessora com convicção. Lula não é analfabeto. Eu também não. E também não sou um analfabeto político. Sei que “o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas”, como bem escreveu um certo Bertolt Brecht. Eu e minha paciente esposa, para dar apenas um exemplo, vivemos de aluguel. Essa é apenas uma das muitas razões para eu me interessar pelas eleições presidenciais deste ano.
Léo Nogueira (ou Leo Gomez) é jornalista e servidor público (concursado), mas já atuou em diversos veículos de comunicação da iniciativa privada