Por: Eduardo Guimarães
Acompanhei, passo a passo, o surgimento das redes sociais no Brasil. Egresso de uma época em que, para a esquerda, era dificílimo fazer política por falta do que sobrava à direita, isto é, os meios de se comunicar com a sociedade, cheguei a acreditar em que o acesso que agora a mesma esquerda tinha à comunicação deixaria a direita fora do poder por muito tempo.
O inacreditável caso Palocci mostra que me enganei. Nem a esquerda tendo agora meios de se comunicar – como os blogs, o Orkut, o Facebook, o Twitter e congêneres –, mostra-se capaz de superar a sua deficiência histórica que a ditadura militar tão bem detectou: esquerdistas só se unem na cadeia, ou seja, exclusivamente em situações-limite.
A mais nova crise política no governo federal petista, depois de oito anos de crises da mesmíssima natureza e desencadeadas exatamente da mesma forma, apesar de feita de puro vento foi vitaminada pelo moralismo de salão de setores da esquerda, pela luta por espaço dentro do PT e porque a direita ainda é infinitamente mais poderosa na comunicação.
O Brasil conseguiu um feito extraordinário durante o governo Lula. Feito que está na origem da volta dos mesmos ataques virulentos ao governo Dilma que foram desfechados contra o governo de seu antecessor. Lula promoveu uma incrível distribuição de renda em curto espaço de tempo e, vendo que Dilma pretendia seguir-lhe os passos, a direita voltou ao ataque.
Entre 2003 e 2010, em meros oito anos, o governo Lula diminuiu a concentração de renda a nível inferior àquele em que estava antes da ditadura militar, que fez a desigualdade subir meteoricamente, razão pela qual o golpe de 1964 foi dado, ou seja, para tornar os ricos mais ricos e os pobres, mais pobres.
A distribuição de renda deveria ser o objetivo de toda a esquerda, a mais radical ou a mais de centro, mas a natureza contestadora é, ao mesmo tempo, a benção e a maldição da esquerda.
Não basta que o índice de Gini tenha caído de 0,583 em 2003 para 0,530 em 2010, mostrando o caráter inclusivo do governo Lula. Certa esquerda despreza os anseios do povo em prol dos seus dogmas pseudo moralistas que, em verdade, constituem recusa em aceitar o fato de que vivemos em um país capitalista.
Desprovidos do entendimento de que não é possível promover uma revolução socialista só por chegar ao poder porque a sociedade brasileira, em maioria, é conservadora, o PT, que remou unido para conquistar a Presidência da República, sofreu defecções no primeiro mandato de Lula que deram origem àqueles que, por não terem perspectiva de poder, decidiram se travestir de grilos falantes da política nacional.
O PSOL nasceu, acima de tudo, da liderança limitada e tresloucada de Heloisa Helena dentro do PT. Por suas posições intransigentes, HH viu-se quase isolada no partido e saiu atirando em Lula, por quem desenvolveu um nível de rancor que envolveu outros petistas que a acompanharam.
Eleitoralmente, o projeto de HH e outros petistas que dividiram seu projeto de discordar de tudo e de todos e de não se compor com ninguém materializou o fracasso previsível. O PSOL tem três deputados federais, hoje. E só aparece quando se une à direita para atacar o governo petista. Por isso, toda vez que a direita midiática inventa um escândalo o PSOL está entre os primeiros a colaborar.
De uns tempos para cá, depois que Heloisa Helena sucumbiu eleitoralmente e foi praticamente esquecida, os psolistas passaram a usar as redes sociais para como que se infiltrarem na poderosa máquina de redes sociais que apoiava o governo Lula, muitas vezes afetando um apoio de fachada para, ao primeiro escândalo forjado, começar a vender seus dogmas éticos.
O caso Palocci exibe um processo de “psolização” do PT, com união de psolistas legítimos a petistas “arrependidos” que passaram a entoar contra o chefe da Casa Civil bordões moralistas que foram se tornando viscerais nesses “cristãos novos”, empurrando-os para a posição irracional de, como o PSOL sempre fez, fazerem coro com a direita midiática.
Lendo os colunistas da grande imprensa de direita e os comentários e posts nas redes sociais, neste momento, fica difícil discernir quem é o autor dos discursos moralistas cheios de frases feitas que dispensam não só provas contra Palocci, mas um só mísero indício contra ele. Não se sabe mais quem é quem.
Alguns dos “psolizados” dão como razão para derrubar Palocci até o argumento espantoso de que ele não é suficientemente de esquerda. Como a mídia, não sabem do que é acusado. Citam enriquecimento ilícito e, quando questionados, recorrem a Augusto Nunes, Reinaldo Azevedo, Eliane Cantanhêde, Merval Pereira e outros “filósofos” da reação brasileira.
Citam o argumento da “mulher de Cesar”, de que Palocci teria que parecer honesto e, como não lhes parece honesto, deve cair. Citam a condenação “política”, que dispensaria provas e indícios, o que não passa de sintoma ditatorial. Citam o caso do caseiro Francenildo, endossando uma das farsas mais escandalosas que a política brasileira testemunhou.
Não faltaram petistas arrependidos – ou “psolizados” – aludindo ao “pobre caseiro”. Sempre seguindo a liderança do que a própria esquerda batizou como Partido da Imprensa Golpista (PIG), misturaram o caso dele com o do patrimônio de Palocci. Agora havia que derrubá-lo por um caso que a Justiça julgou que nada tinha que ver com o ministro.
Aliás, o fato de que Francenildo Costa não processa Palocci, mas só a revista Época pela quebra de seu sigilo, ou o fato de que recebeu em sua conta bancária 40 mil reais uma semana antes de acusar Palocci, em 2005, e de ter se reunido com o DEM, uma semana antes, ou de o pai “generoso” ser filiado ao mesmo DEM, nada disso levanta suspeita nessa esquerda.
No começo da nova ofensiva da direita midiática, esta colheu uma das denúncias contra Palocci na questão do caseiro que a Justiça rejeitara e tratou de enfiar nas cabeças “psolizadas” de parte do PT. E petistas descontentes com as sinecuras que o governo de seu partido lhes disponibilizara “colocaram pilha” nessa armação.
A Caixa Econômica teria dito, na investigação da violação de sigilo do “pobre caseiro”, que fora o gabinete de Palocci, então ministro da Fazenda, que requisitara o estrato da conta da suposta vítima de quebra de sigilo bancário. A mídia tratou de apresentar isso como novidade, mas a Justiça já recebera a denuncia e a desprezara, negando o indiciamento de Palocci.
Outra empulhação é a cobrança dos nomes das empresas às quais Palocci prestou serviço. Tais nomes estão disponíveis há muito tempo na internet, desde os primeiros movimentos do ataque ao ministro.
Neste domingo, semanas após o início do escândalo, vários colunistas do PIG e petistas arrependidos e “psolizados” continuam batendo na tecla do nome das empresas às quais Palocci prestou serviços. A coluna de Eliane Cantanhêde pode sintetizar o discurso daqueles que tanto de boa quanto de má fé insistem no que já veio a público faz tempo.
Vejam:
FOLHA DE SÃO PAULO
5 de junho de 2011
ELIANE CANTANHÊDE
Vão-se os dedos, ficam os anéis
BRASÍLIA - Não faz o menor sentido Antonio Palocci, chefe da Casa Civil pelo menos até o fechamento desta edição, demorar três semanas para dizer o que disse aos brasileiros em entrevistas à Folha e à Rede Globo: que a Projeto, sua empresa de um empregado só, é legal e declarou seus ganhos à Receita.
Isso ele poderia ter dito no primeiro dia depois que a Folhapublicou a reportagem sobre a multiplicação do patrimônio dele por 20, incluindo um apartamento de R$ 6,6 milhões que ele pagou praticamente “cash”. Ou quando a mesma Folhainformou que o faturamento da empresa fora de R$ 20 milhões no ano eleitoral. Ou, ainda, quando acrescentou que, ao receber metade disso, já era chefe da transição e virtual primeiro-ministro.
O principal continua soterrado por interrogações. Quem pagou? Por que pagou? Que consultoria mágica era essa? O resto dos recursos foi aplicado, doado ou está debaixo do colchão? Ou seja: de onde veio e para onde foi o dinheiro?
Isso tudo sem falar que apartamentos, histórias mal contadas e dinheiros estranhos continuam se amontoando com a quebra do sigilo do caseiro Francenildo, que relatou a presença de Palocci numa casa esquisita onde rolavam malas de dinheiro e uma gente heterodoxa de Ribeirão Preto.
Como Palocci está no topo da pirâmide do governo, ao desabar deve arrastar Luiz Sérgio, das Relações Institucionais, e toda a coordenação política, facilitando uma rearrumação no Planalto que pode se espalhar pelo Congresso. Dilma tem uma crise, mas também a chance de um freio de arrumação.
Quanto a Palocci, não tem do que reclamar. Foi abandonado pelo PT, pelo governo e pela própria Dilma, mas manteve a fidelidade à clientela e está livre para simplesmente voltar à Projeto e às suas “consultorias”. Bom negócio.
No caso dele, como eu disse ontem na Rádio Folha, vão-se os dedos, ficam os anéis. E que anéis!
É muita desfaçatez. Todos sabem quem são as empresas às quais Palocci prestou serviço. Aliás, farto dessa hipocrisia, o blogueiro Mello reproduziu o nome dessas empresas e, ao fim, convidou a grande mídia a ir para cima delas, cobrando as explicações que Palocci não pode dar por força de contratos, mas que disse que as empresas, se procuradas, poderiam dar.
Os clientes de Palocci estão entre as maiores e mais eminentes empresas do país. Seria impossível esconder que prestou serviço a elas e foi por isso que a lista de seus nomes veio a público faz tempo. Vejam a relação:
Itaú Unibanco
Pão de Açúcar
Íbis
LG
Samsung
Claro-Embratel
TIM
Oi
Sadia Holding
Embraer Holding
Dafra
Hyundai Naval
Halliburton
Volkswagen
Gol
Toyota
Azul
Vinícola Aurora
Siemens
Royal Transatlântico
Santander
Bradesco Holding
EBX
Ao fim da lista, o blogueiro Mello aponta o óbvio ululante, mas que ninguém parece enxergar: vão todos, a manada enfurecida e irracional, a imprensa golpista e a oposição midiática para cima dessas empresas e cobrem explicações delas, pois não existe corrupto sem corruptor.
Alguém acredita que a Folha ou a Globo ou o Estadão ou a Veja ou mesmo os políticos que essas empresas financiam com doações de campanha questionarão uma só entre elas? Jamais, meus caros. Até porque, cobrar informação que já vazaram faz tempo ajuda a sustentar a estratégia da direita e a irracionalidade da esquerda.
Enquanto isso, a mídia vai tratando de insuflar os inocentes úteis espalhando versões sobre Dilma, por exemplo, já estar escolhendo o substituto de Palocci ou estar “consultando Lula” sobre o que fazer. A verdade, porém, é que Dilma não só já manifestou confiança no ministro como Lula já lhe disse que, se ele cair, o governo estará fadado a “se arrastar” até 2014.
Vale, finalmente, citar o argumento mais inacreditável das mentes “psolizadas” de pessoas sérias, mas desumanamente ingênuas: se Palocci não cair, a mídia não deixará Dilma em paz. Como se a queda de Palocci interrompesse um processo de bombardeio e sabotagem que permeou todo o governo Lula e que já mostra que continuará neste governo.
O caso do “livro que ensina errado”, das obras da Copa que a direita já adivinhou que não ficarão prontas a tempo e muito mais que vem sendo atirado contra o governo Dilma mostram que, vendo que os gestos de boa vontade da presidente nas primeiras semanas de governo não significavam rendição, essa mesma direita midiática voltou ao ataque.
A queda de Palocci não mudaria nada. A mídia continuaria inventando “escândalos” como fez durante todo o governo Lula, dia após dia, semana após semana, um mês após o outro…
Tudo isso mostra, por fim, um fato que muitos já não enxergavam e que, agora, torna-se escandalosamente gritante: o poder de manipulação da direita midiática é imenso, gigantesco, capaz até de levar gente politizada, inteligente e honesta a embarcar em uma farsa inaceitável no Estado Democrático de Direito, que exige que Palocci prove que não fez nada errado.
As cobranças de informações de Palocci escondem, escandalosamente, o fato de que ele já as havia fornecido à Controladoria Geral da União e ao Ministério Público Federal antes de entrar no governo. Essas instituições já haviam analisado contratos, nomes de empresas e deram sinal verde. E agora estão recebendo os dados de novo e deverão dar o mesmo parecer.
No entanto, a direita midiática e os petistas “psolizados” e arrependidos fazem questão de ignorar esse fato, simplesmente fazendo o jogo do desentendido, cobrando que venha a público aquilo que Palocci, sem anuência de seus clientes, não pode dizer simplesmente porque se comprometeu por escrito, o que não impede que tais empresas dêem informações.
Mas quem vai cobrar as empresas supracitadas? A Folha, a Veja, o Estadão, a Globo? Podem esperar sentados, que de pé cansa. Nem o PIG, nem a manada útil farão isso. Porque o objetivo não é esclarecer nada, é confundir. A direita por jogada política e a esquerda por uma irracionalidade que lhe é característica desde sempre.
PS: é sempre bom reiterar o que já escrevi diversas vezes nos posts que tenho publicado sobre o caso Palocci. Apóio a postura de amigos jornalistas que estão simplesmente usando para Palocci o critério que usaram para tucanos e demos ou quaisquer outros. Julgo que o papel do jornalismo é esse mesmo, desde que use o mesmo peso e a mesma medida para todos os lados. O texto se refere à militância.